sexta-feira, 4 de abril de 2008

Para Onde Vais? ... e ... Como Vais?

"Todos os pedagogos do universo estão de acordo sobre este ponto; as crianças querem as coisas sem saber porque as querem; mas que homens feitos se arrastem, cambaleando, pelo globo, como as crianças, sem saberem, como elas, de onde vêm nem para onde vão, que não tenham mais conhecimentos dos seus actos e que igualmente se deixem governar com açoites e bolos, eis o que custa acreditar. E, não obstante, é tudo quanto há de mais verdadeiro. Concordo de bom grado, (porque adivinho o que vais dizer-me), que são esses os mais felizes; como as crianças, só vivem para o presente, passeando, vestindo e despindo cem vezes as suas bonecas; espreitando, com cobiça e respeito simultaneamente, a gaveta onde a mamã tem os bolos guardados; e quando, enfim, conseguem o que desejam, gritam com a boca cheia: «Mais»! (...) Mas, (...) Quem vê que em todos é igual o desejo de contemplar um minuto mais a luz do céu, esse sim, observador calmo e livre de cuidados, arquitecta o seu mundo e é feliz, porque pensa e é homem. Por pouco inteligente que seja, basta-lhe ter no coração o sentimento consolador da sua liberdade e saber que pode sair desta prisão logo que queira. (...)"

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"Muito se pode dizer em favor das regras, como também em louvor das leis da sociedade. Assim o homem que se conduza segundo as regras nunca produzirá um trabalho ridículo ou mau, do mesmo modo, aquele que obedeça às leis e às convenções sociais não será nunca um vizinho insuportável nem um emérito malfeitor. Mas também, diga-se o que se disser, as regras atrofiam o verdadeiro sentimento e a pura expressão da natureza. (...) Meu caro amigo, queres que te apresente um exemplo? Acontece com elas o mesmo que com o amor. Um rapaz apaixona-se por uma rapariga, junto da qual passa todo o dia, consumindo a vida na contemplação daquela a quem ama e empregando todos os bens, todas as forças, todas as faculdades para lhe provar que é inteiramente dela. Chega um simples burguês, com experiência da vida, e no gozo da consideração pública, e diz a esse jovem:
- Meu caro senhor, amar é humano, certamente, mas é necessário amar como ama um homem. Divida o seu tempo, dedique uma parte dele ao trabalho e dê à sua amada somente as horas que lhe sobrarem para recreio. Calcule bem as suas despesas e os seus bens e, se alguma coisa lhe sobrar, não o proíbo de lhe oferecer algum presente, contanto que não o faça frequentemente; (...).
Se esse rapaz seguir o conselho, poderá vir a ser um grande homem, e eu próprio não hesitaria em pedir a qualquer príncipe que lhe confiasse uma pasta de ministro. Mas o amor é que desaparecerá nele e, se for artista, nunca mais poderá provar que tem talento.
Oh! Meus caros amigos! Porque será que o rio do génio transborda tão raras vezes? Porque também tão raras vezes se ergue em ondas impetuosas para lhes abalar as almas timoratas? É porque nas suas duas margens foram instalar-se os homens sensatos e moderados, cujas casinhas, hortas e canteiros de tulipas poderiam ser inundados e, portanto, evitam o perigo opondo diques à torrente e cavando canais para desviarem o curso."

J.W.Goethe, Werther, Colecção Novis, pp. 15 a 18.

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